Com o objetivo de dificultar o rastreamento de verbas desviadas do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), integrantes da organização criminosa desarticulada pela Operação Overclean usaram peixarias para sacar altas quantias de dinheiro em espécie, conforme revela o inquérito elaborado pela Polícia Federal. As investigações mostraram que o grupo empresarial ligado aos irmãos Alex e Fábio Parente movimentou quase R$ 7 milhões, entre janeiro de 2022 e abril de 2024, através de 119 transações para empresas que supostamente comercializam peixe e frutos do mar em Salvador. As empresas envolvidas foram Osmerval Comércio de Alimentos, AF Tavares e a peixaria de nome curioso, Corno do Camarão.
A movimentação financeira
De acordo com o relatório da operação, as empresas dos irmãos Parente realizavam repasses de dinheiro em espécie para o esquema criminoso, após descontarem uma pequena taxa de serviço. Esses valores em dinheiro vivo eram usados para pagar propinas a servidores públicos, garantindo a continuidade de contratos fraudulentos. Os valores desviados totalizaram R$ 6,78 milhões, com repasses de R$ 2,93 milhões para a Corno do Camarão, R$ 2,89 milhões para a Osmerval Comércio de Alimentos e R$ 950 mil para a AF Tavares.
A descoberta do esquema
A Polícia Federal desconfiou da grande quantidade de transferências realizadas para as peixarias investigadas, principalmente após analisar os dados obtidos por meio da quebra de sigilos bancário e fiscal. A investigação revelou que essas empresas não possuíam notas fiscais eletrônicas ou registros de transações comerciais nas cidades onde foram cumpridos mandados de prisão, incluindo Salvador, Feira de Santana, Vitória da Conquista, entre outras. A Receita Federal, ao apoiar a PF, confirmou que não havia evidências de transações comerciais legítimas envolvendo as peixarias.
A rede de arrasto
A investigação revelou que os valores desviados de contratos com prefeituras de quatro estados, principalmente da Bahia, foram canalizados para essas peixarias. A corrupção envolvia empresas contratadas para obras bancadas por emendas parlamentares do Dnocs.
A ficha corrida dos envolvidos
Os sócios das peixarias também chamaram a atenção. A Osmerval Comércio de Alimentos, por exemplo, foi inicialmente controlada por Osmerval de Freitas Silva, que figura no cadastro da Previdência Social como funcionário de uma unidade do Redemix. Hoje, a empresa está registrada em nome de Caíque Santos Oliveira, que tem vínculos com a W.A.F Empreendimentos, uma empresa de construção civil. A AF Tavares tem como sócios Elisson Santos Santana, ex-funcionário da Osmerval, e Adriano Santos Tavares, que cumpriu pena por roubo a mão armada.
O envolvimento do comerciante "Lampião"
Todas as empresas investigadas são controladas pelo comerciante Luísa Henrique Cruz Barreto, também conhecido como "Lampião". Barreto aparece em interceptações telefônicas realizadas pela Operação Overclean, combinando a entrega de dinheiro em espécie com Clebson Cruz, um dos operadores de Alex e Fábio Parente no esquema. Em uma dessas conversas, Clebson pede a Barreto informações sobre seu localizador para buscar dinheiro. A peixaria Corno do Camarão, sob controle de Barreto, recebeu R$ 200 mil da FAP Participações, uma empresa ligada aos líderes do esquema.
Detalhes adicionais
Diversas transferências para as peixarias ocorreram em datas coincidentes com conversas entre os operadores do esquema. Em 17 de junho de 2022, Barreto expressa preocupação sobre o envio de emissários para pegar dinheiro em sua casa, mencionando a palavra "dinheiro" e demonstrando receio de que a operação fosse descoberta.
Revelações de áudio
Interceptações realizadas pelos investigadores também confirmaram o conhecimento dos irmãos Parente sobre o uso das peixarias para movimentar o dinheiro desviado. Em uma conversa interceptada, Fábio Parente discute com um interlocutor sobre o uso de uma nova razão social, "Costa Pescado", para receber os repasses. Alex Parente questiona o percentual que a pessoa recebe pela operação.
Erro de cálculo
Fontes próximas à operação indicaram que os líderes do esquema acreditavam que a compra de peixes e frutos do mar de pequenos fornecedores poderia justificar os grandes volumes de dinheiro em espécie movimentados pelas peixarias. No entanto, a falta de notas fiscais e a ausência de explicações plausíveis para as transferências bancárias acabaram por levar a Polícia Federal a desmantelar o esquema.
Além da FAP Participações, outras empresas, como a BRA Teles, também foram identificadas como partes envolvidas no esquema de movimentação de propina.
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